ANAIS

Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo

Interamericanismo e Caribe

Música e Análise Cultural



CURSO
UNIVERSIDADE DE COLONIA



20 Anos do Encontro Regional para a América Latina e o Caribe na Cidade do México do Projeto Music in The Life of Man do Projeto Music in the Life of Man do International Music Council/UNESCO (1985)


em sequência aos seminários

World Music e Cultural Studies na Universidade de Bonn 2003/04

em preparação a encontros em instituições do Caribe em 2005



zur deutschen Fassung

Processos Interamericanos no Caribe - Música e Análise Cultural foi tema de curso realizado no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia em cooperações com a Academia Brasil-Europa (ABE) e o Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS) no semestre de inverno de 2004/2005. 


O curso deu sequência ao Colóquio Internacional de Estudos Interculturais levado a efeito em 2004 em São Paulo e no Rio de Janeiro pela ABE/ISMPS conjuntamente com o Seminário de Musicologia da Universidade de Bonn e com o Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia As aulas retomaram e reconsideraram estudos e reflexões do projeto Music in The Life of Man/A Universal History of Music do Conselho Internacional de Música/UNESCO, em particular daqueles tratados em encontros regionais dedicados à América Latina e ao Caribe realizados no México em 1985 e em São Paulo em 1987. 


O evento deu continuidade a cursos  ministrados nos anos anteriores nas universidades de Bonn e de Colonia, em particular no âmbito do ciclo dedicado ao tema „Música no Encontro de Culturas“ e de cursos e seminários sobre a música na América e música popular da América Latina. O curso foi preparado em encontros e diálogos realizados em várias ilhas do Caribe, na América Central e do Sul entre 2000 e 2005 e deia preparar um novo ciclo de estudos, o que se realizou em 2005 na Puerto Rico, Aruba, St. Maarten e St. Thomas.


Na sua temática, o curso retomou estudos tratados no Fórum de Música de Leichlingen, de 1983, ano de comemorações dos 300 anos da emigração alemã à América, onde tratou-se da necessidade de atualização de visões e concepções do Transatlantismo e do Interamericanismo a partir da consideração de interações de processos transatlânticos, transpacíficos e interamericanos. 


A necessidade de renovação de estudos tinha sido reconhecida já na década de 1960 em São Paulo e tratada em encontros e concertos de tema A música nas Américas. A discussão teve prosseguimento nos anos que se seguiram, sendo conduzidas em cooperações com o Instituto Interamericano de Musicologia sediado em Montevideo e que esteve representado no Fórum de Música de 1983. 


O debate foi sempre conduzido no âmbito de projeto dedicado ao desenvolvimento de uma culturologia de condução musicológica e reciprocamente de uma musicologia orientada segundo processos culturais. Sempre teve como objetivo superar visões e procedimentos marcados por categorizações de objeto de estudos, de distinções entre esferas do erudito, popular e folclórico, sendo fundamentalmente inter-e transdisciplinares. 


No desenvolvimento das reflexões foram de particular significado diálogos realizados em universidades dos EUA, em particular em centro de estudos latino-americanos de Berkeley, California, assim como na Universidade Stanford.


O curso partiu de uma consideração de publicações referentes à música e, em particular, à cultura musical do Caribe como tratada com Robert Stevenson (1916-2012). Comentadas foram também obras de natureza mais genérica, histórica, geográfica e de estudos de folclore e da música popular. A necessidade de um levantamento da bibliografia tinha sido considerado como prioritária em diálogos conduzidos em institutições caribenhas, entre outras em bibliotecas de Cuba, da República Dominicana e Santa Lucia quando constatou-se a dificuldade de obtenção de publicações e dados, assim como de informações sobre acervos e coleções nas diferentes ilhas, nos Estados Unidos, na América Central e do Sul e na Europa. 


Nesses encontros salientou-se sempre o desejo de um intercâmbio mais intenso entre estudiosos europeus e do Caribe e o desideratum de uma presença de representantes do Caribe nessas cooperações, da atenção a seus posicionamentos, às suas perspectivas e abordagens. No curso, não se devia assim falar do ou sobre o Caribe, mas com o Caribe. Partindo-se de considerações de processos históricos e histórico-culturais no Caribe com base em exemplos de música e de instrumentos, danças e folguedos observados e estudados em diversas ocasiões na região, devia-se dirigir a atenção a interpretações, a correntes de pensamento, a posições e orientações, assim como a instituições e rêdes.


Os conhecimentos alcançados em observações e diálogos nos diferentes países do Caribe foram considerados segundo concepções e modelos da Análise Cultural que, em particular, se vincula com o nome de Mieke Ball, professora de teoria literária na Universidade de Amsterdam desde 1993 e fundadora do Instituto de Ciências Culturais de Amsterdam. No seu pensar, a Análise Cultural representa uma outra abordagem de estudos científico-culturais, distinta daquela dos Cultural Studies de origem e contextualização britânica e norte-americana, uma colocação que também deve ser considerada nos estudos musicológicos.


Aspectos


Son, Conga, Rumba, Mambo, Calypso, Merengue, Salsa e várias outras expressões da música e da dança caribenha evocam associações com uma exuberante alegria de viver e uma atmosfera de férias sob as palmeiras. Há muito que são consideradas sob o conceito de World music e influenciaram o desenvolvimento musical noutras partes do mundo, seja em África ou na Ásia. Um olhar mais atento revela a sua importância extraordinária para a identidade cultural de muitos países da região circuncaribenha e para os grupos de migrantes que vivem principalmente nos EUA. A fascinante diversidade de estilos musicais e práticas performáticas leva a um entrelaçamento de inter-relações musicais da maior complexidade, abrangendo países com diferentes histórias coloniais e afiliações linguísticas. 


A cultura musical do Caribe oferece, portanto, um campo ideal de estudo dos processos interamericanos nas suas interações transoceânicas que tornam permeáveis as fronteiras entre as Américas do Sul, Central e do Norte. Pode servir de exemplo para conhecer e testar abordagens atuais de análise cultural.


O estudo da música no Caribe está inextricavelmente ligado ao desenvolvimento da consciência de um todo americano e dos esforços e iniciativas pan, trans e interamericanas. A preocupação em fortalecer as relações entre as nações da América do Sul, Central e do Norte e em superar as divisões entre os países não só teve e tem objetivos políticos e econômicos, mas já está vinculada a ideais culturais desde fins dos séculos XIX e início XX.


As relações linguísticas e culturais decorrentes do passado colonial e dos processos de independência e imigração dificultaram e dificultam a aproximação das nações americanas,. determinando concepções e perspectivas geoculturais.


O Brasil, como a América de língua portuguesa, foi sempre historicamente orientado para o Atlântico, mantendo-se por assim dizer de costas para a América de língua espanhola. As relações com as outras nações latino-americanas foram em grande parte marcadas por distância. A história colonial não estava – e está – totalmente superada em todo o continente. As Guianas e muitas ilhas das Caraíbas continuam politicamente alinhadas com as potências européias. Embora alguns deles - por exemplo, Cuba ou a República Dominicana - pertençam à América Latina devido aos seus laços históricos com Espanha, países moldados pela era colonial inglesa, como a Guiana Britânica e várias ilhas das Caraíbas, enquadram-se na área anglófona com os Estados Unidos. 


Os laços com a França e os Países Baixos das correspondentes Guianas e outras ilhas das Caraíbas, quer sejam independentes há muito tempo como o Haiti, ou ainda politicamente, econômica e culturalmente dependentes como muitas outras, continuam a garantir a presença de potências coloniais européias no continente, que substituiram a lideranca daquelas primeiramente assumida por Portugal e Espanha. Dado que a Dinamarca também está presente nas Caraíbas, a complexidade da rede de relações estabelecida torna-se evidente. As políticas econômicas e de colonização, bem como os conflitos sobre o domínio das nações européias na região das Caraíbas no passado moldaram a consciência histórica e as orientações em todas as áreas da vida.


Os esforços interamericanos de aproximação das nações do continente relacionaram-se principalmente com os dos países latino-americanos com os Estados Unidos. Foram significativamente apoiados pelos EUA, o que também marcou a aproximação entre os países de língua portuguesa e espanhola na América Latina. A região das Caraíbas, no seu complexo entrelaçamento de relações com vários contextos europeus, tem recebido uma atenção antes marginal nos esforços interamericanos, com exceção das ilhas com influência latino-americana ou daquelas estreitamente ligadas aos EUA, como Cuba e Porto Rico. .

 

A necessidade de uma abordagem geopolítica diferente para a região das Caraíbas nos esforços de todos os EUA foi particularmente visível nas regiões adjacentes do continente. Na Guiana Brasileira - Amapá - ou no Marajó/Pará e Amazonas, cujas tradições musicais revelam ligações com a região das Caraíbas, despertou há muito a consciência de uma maior consideração das Caraíbas nos estudos interamericanos.


Desenvolvimento dos estudos


Um marco na história dos esforços interamericanos na pesquisa musical foi a fundação do Instituto Interamericano de Musicologia na década de 1930. Não é de admirar que tenha sido instituído em Montevidéu e apoiado pelo Ministério do Exterior do Uruguai, que naquela época desempenhava um papel particularmente importante nas relações internacionais da região de La Plata. Também não é por acaso que daí partiram os intentos de aproximação do Brasil dos demais países ibero-americanos da América do Sul também nos estudos musicológicos. As iniciativas e publicações do Instituto Interamericano de Musicologia, embora moldadas pelas condições e visões da época, foram pioneiras no conhecimento mútuo da música dos países vizinhos e no intercâmbio de estudos e anelos, não ignoraram completamente a região do Caribe. Esses intentos, que também se confrontaram com resistências, entraram numa nova fase quando a consciência da necessidade de ultrapassar barreiras de um pensamento delimitado por posições nacionalistas foi despertada em meados da década de 1960. 


As reflexões conduzidas no Centro de Pesquisas em Musicologia no âmbito de um movimento que procurava  perspectivas e procedimentos através do direcionamento da atenção a processos ultrapassadores de fronteiras, abriram novas perspectivas para o interamericanismo musical. Conduzidas juntamente com o cantor e pesquisador paraguaio Eládio Perez Gonzáles, concertos e diálogos sob o título „Música das Américas“ incluiram também canções do Caribe. Com a introdução da área da Etnomusicologia em cursos superiores do Instituto Musical de São Paulo, intensificaram-se relações com outros países do continente, com o Uruguai, Argentina e Venezuela. Em 1973, realizou-se uma viagem ao Instituto Interamericano de Musicologia de Montevidéu para um intercâmbio de ideias.


Os estudos e as reflexões tiveram continuidade na Europa a partir de 1974 no âmbito de projeto voltado ao desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo processos culturais e, reciprocamente de uma culturologia de condução musicológica. A participação no projeto sobre as culturas musicais latino-americanas do século XIX da Universidade de Colônia, coordenado pelo etnomusicólogo Robert Günther, possibilitou cooperações com pesquisadores de países do Caribe, salientando-se a Jamaica.


Em 1983, com a participação do Instituto Interamericano de Musicologia, realizou-se, em Leichlingen, Reno do Norte/Vestfália, um Fórum de Música dedicado ao Transatlantismo e a estudos migratórios pela celebração dos 300 anos da emigração alemã às Américas. No seu contexto, discutiram-se interações entre processos transatlânticos e interamericanos no passado e no presente.


A consideração das interconexões entre os processos interamericanos e transatlânticos, que naturalmente não são apenas os euro-americanos, mas também os afro-americanos, teve prosseguimento na década de 1980. Um momento importante nesse desenvolvimento foi viagem de estudos de tradições musicais e de dança no Amapá e no Pará, especialmente na Ilha do Marajó. Esta viagem de estudos foi iniciada e viabilizada pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical no Espaço de Língua Portuguesa, fundado em 1985, declarado por instâncias européias como Ano Europeu da Música.


Nas reuniões regionais sobre a América Latina e o Caribe do projeto Música na Vida do Homem/Uma História Mundial da Música do Conselho Internacional de Música/UNESCO realizadas na Cidade do México em 1985 e em São Paulo em 1987, salientou-se a necessidade de uma maior atenção à região do Caribe na pesquisa musicológica, tanto sob o aspecto de uma história da música em contextos globais como de uma etnomusicologia dirigida à análise de processos culturais. 


No Congresso Brasileiro de Musicologia, realizado no Rio de Janeiro por motivo da passagem dos 500 anos do Descobrimento da América em 1992, Robert Stevenson, da Universidade da Califórnia, notável pesquisador da história da música do Caribe, lembrou que os estudos músico-culturais do continente americano consideravam ainda quase que exclusivamente contextos culturais de língua espanhola e portuguesa, pouco atentando àqueles marcados pela presença no passado e no presente de franceses, ingleses, holandeses, dinamarqueses e norte-americanos. 


Como contribuição à superação dessa lacuna e considerar as Antilhas e regiões e ilhas circunvizinhas da América do Norte, Central e do Sul na pesquisa musical e cultural, o ISMPS e a Academia Brasil-Europa promoveu ciclos de estudos que deviam dar continuidade e atualizar estudos discutidos no âmbito do projeto Música na Vida do Homem (MLM). Realizaram-se diálogos com músicos e pesquisadores musicais e culturais, tomando-se conhecimento de projetos e problemas, pesos e tendências do pensamento e da prática. Consideraram-se também comunidades caribenhas nos Estados Unidos em diálogos conduzidos no centro de estudos latino-americanos de Berkeley e outras universidades.






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